quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A literatura como filosofia de vida

Um dos papéis da literatura é levar o leitor para uma vida que ele jamais viveu (ou se viveu, apresentá-la com outro aspecto) e assim se tornar mais conhecedor, pois só vivendo, experienciando, as coisas é que podemos nos desenvolver.

A pessoa que lê livros desse estilo, além de melhorar o seu cognitivo, pois ela procura desvendar os mistérios e sua inteligência e sua sensibilidade estão sendo desenvolvidas na trama, acaba também tendo várias “vidas” e como são vidas, só quem viveu pode concluir algo mais concreto sobre o acontecimento, é claro. Não há ninguém, nenhum tipo de autor como nos livros de auto-ajuda, resolvendo os seus problemas. A literatura não é um padre, não está lá para ditar sua vida. Até porque a vida é mais complexa que tais auto-ajudas.

A boa literatura tem como filosofia a idéia de que existem algumas coisas que você tem que fazer por si mesmo… Se eu bebo, a sua sede continua; se eu como, a sua fome continua… Ninguém pode matar a sua sede, sua fome, se não você mesmo. 

Tudo o que você não desenvolveu, não viveu, será perdido. Você não pode desfrutar, confiar, naquilo que não se desenvolveu em seu ser naturalmente. A verdade não pode ser dada, ela não é transferível. E é nisso que a literatura, dessa natureza, procura trabalhar ao oferecer ao leitor uma vida intrigante para que possa resolvê-la de acordo com a sua capacidade, em vez de dar algo pronto.

Literatura de qualidade faz os leitor viver situações com problemas contidas na manipulação da trama e conseqüentemente ele cresce através da procura de soluções e de alternativas. Favorecendo a concentração, a atenção, o engajamento e a imaginação. Como decorrência o leitor aprende a pensar, estimulando sua inteligência.

Para que o livro seja significativo para o leitor é preciso que tenha pontos de contato com a realidade, por isso obras de autores como Machado de Assis, Franz Kafka, Clarice Lispector, Fiódor Dostoievski, Caio Fernando Abreu, Ferreira Gullar, José Saramago, Jeffrey Eugenides, etc. são ótimas. Já que a vida real não permite ensaios, você pode ensaiá-los nessas obras realísticas, tendo mais “bagagem” para viver melhor, uma vez que elas têm algo a dizer sobre a vida, através de uma filosofia crítica, é evidente.

Então leia livros dessa natureza e permita-se viver livremente e desfrutar de todas as experiências necessárias ao conhecimento! Lembre-se que todos os ensinamentos são para esclarecê-lo como tal fato acontece, para falar a respeito do processo, mas ninguém pode fazer por você. Por isso, as obras literárias fazem o leitor viver, experienciar, e isso é importantíssimo, pois é um método de autoconhecimento. Caso contrário, é necessário desconfiar de uma sabedoria que não é fruto da reflexão e da maturidade obtida pelos próprios esforços.

Complementando, livros assim não subestimam o leitor, pelo contrário, sabe que somos inteligentes e por isso nos dar uma temática astuta ou difícil de ser resolvida, assim como são certas questões na vida.
Lembre-se que existem quatro corpos básicos de conhecimento, criado pelo homem, os quais são: a Arte, a Filosofia, a Psicanálise e a Ciência. E como tal, a literatura, que é uma arte, procura fazer o papel dela como fonte de conhecimento e desenvolvimento do homem, o qual irá aprender a lidar melhor com as adversidades de sua existência, os males do século XXI, e ter uma qualidade de vida adequada.

É bom deixar claro também o seguinte: ser guitarrista não quer dizer que ele seja capaz de tocar heavy metal (pois temos guitarristas de música axé), ser pianista não quer dizer que ele seja capaz de tocar música clássica (pois temos pianistas de música POP), ser saxofonista não quer dizer que ele seja capaz de tocar jazz (pois temos saxofonistas até de música “brega”), então se há um livro não quer dizer que ele seja literatura (pois um livro é, basicamente, um volume transportável, composto por páginas encadernadas, contendo texto manuscrito ou impresso e/ou imagens).

O livro literário diferencia-se de outros livros. Ele lhe conduz a examinar e a superar seus sistemas de crença e preconceitos resultantes de um condicionamento que limita a nossa capacidade de aproveitar a vida da melhor forma possível. Você simplesmente não é só um leitor depois de sua leitura, você é uma outra pessoa.

Fonte: Marcelo Vinicius

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Menina bonita do laço de fita

Era uma vez uma menina linda, linda.

Os olhos dela pareciam duas azeitonas
pretas, daquelas bem brilhantes.
Os cabelos eram enroladinhos e bem negros, feito fiapos da noite. A pele era
escura e lustrosa, que nem o pêlo da
pantera negra quando pula na chuva.

Ainda por cima, a mãe
gostava de fazer
trancinhas no cabelo dela
e enfeitar com laço de fita colorida. Ela ficava parecendo uma
princesa das Terras da África, ou uma
fada do Reino do Luar.

Do lado da casa dela morava um
coelho branco, de orelha cor-de-rosa,
olhos vermelhos e focinho nervoso
sempre tremelicando. O coelho achava
a menina a pessoa mais linda que ele
tinha visto em toda a vida. E pensava:
- Ah, quando eu casar quero ter uma
filha pretinha e linda que nem ela…

Por isso, um dia ele foi até a casa da
menina e perguntou:
- Menina bonita do laço de fita, qual
é teu segredo pra ser tão pretinha?
A menina não sabia, mas inventou:
- Ah, deve ser porque eu caí na tinta
preta quando era pequenina..
O coelho saiu dali, procurou uma lata
de tinta preta e tornou banho nela.
Ficou bem negro, todo contente. Mas
aí veio uma chuva e lavou aquele pretume, ele ficou
branco outra vez.

Então ele voltou lá na casa da menina
e perguntou outra vez:
- Menina bonita do laço de fita, qual é
teu segredo pra ser tão pretinha?

A menina não sabia, mas inventou:
- Ah, deve ser porque eu tomei muito
café quando era pequenina.
O coelho saiu dali e tomou tanto café
que perdeu o sono e passou a noite toda fazendo xixi. Mas não ficou nada
preto.

Então ele voltou lá na casa da
menina e perguntou outra vez:
- Menina bonita do laço de
fita, qual é teu segredo pra ser tão
pretinha?
A menina não sabia, mas inventou:
- Ah, deve ser porque eu comi muita
jabuticaba quando era pequenina.

O coelho saiu dali e se empanturrou de jabuticaba
até ficar pesadão, sem conseguir
sair do 1ugar. O máximo que
conseguiu foi fazer muito cocozinho
preto e redondo feito jabuticaba.
Mas não ficou nada preto.

Por isso, daí a alguns dias ele voltou lá na
casa da menina e perguntou outra vez:
- Menina bonita do laço de fita, qual
é teu segredo pra ser tão pretinha?
A menina não sabia e já ia inventando
outra coisa, uma história de feijoada, quando a mãe dela,
que era uma E,, mulata linda e risonha, resolveu se meter e disse:
- Artes de uma avó preta que ela tinha…

Aí o coelho - que era bobinho,
mas nem tanto - viu que a mãe da menina
devia estar mesmo dizendo a verdade, porque
a gente se parece sempre é com os pais, os tios,
os avós e até com os parentes tortos.
E se ele queria ter uma filha pretinha e
linda que nem a menina, tinha era que procurar uma coelha preta para casar.

Não precisou procurar muito.
Logo encontrou uma coelhinha escura
como a noite, que achava aquele
coelho branco uma graça.

Foram namorando, casando e tiveram
uma ninhada de filhotes, que coelho
quando desanda a ter filhote não pára mais.

Tinha coelho pra todo gosto: branco,
bem branco, branco meio cinza,
branco malhado de preto, preto
malhado de branco e até uma coelha
bem pretinha. já se sabe, afilhada da
tal menina bonita que morava na casa
ao lado.

E quando a coelhinha saía, de laço
colorido no pescoço, sempre
encontrava alguém que perguntava:
- Coelha bonita do laço de fita, qual é
teu segredo pra ser tão pretinha?
E ela respondia:
- Conselhos da mãe da minha
madrinha…

Ana Maria Machado

Ana Maria Machado

Biografia


História de Ana

Na vida da escritora Ana Maria Machado, os números são sempre generosos. São 40 anos de carreira, mais de 100 livros publicados no Brasil e em mais de 18 países somando mais de dezoito milhões de exemplares vendidos. Os prêmios conquistados ao longo da carreira de escritora também são muitos, tantos que ela já perdeu a conta. Tudo impressiona na vida dessa carioca nascida em Santa Tereza, em pleno dia 24 de dezembro.

Vivendo atualmente no Rio de Janeiro, Ana começou a carreira como pintora. Estudou no Museu de Arte Moderna e fez exposições individuais e coletivas, enquanto fazia faculdade de Letras na Universidade Federal (depois de desistir do curso de Geografia). O objetivo era ser pintora mesmo, mas depois de doze anos às voltas com tintas e telas, resolveu que era hora de parar. Optou por privilegiar as palavras, apesar de continuar pintando até hoje.

Afastada profissionalmente da pintura, Ana passou a trabalhar como professora em colégios e faculdades, escreveu artigos para revistas e traduziu textos. Já tinha começado a ditadura, e ela resistia participando de reuniões e manifestações. No final do ano de 1969, depois de ser presa e ter diversos amigos também detidos, Ana deixou o Brasil e partiu para o exílio. A situação política se mostrou insustentável.
Na bagagem para a Europa, levava cópias de algumas histórias infantis que estava escrevendo, a convite da revista Recreio. Lutando para sobreviver com seu filho Rodrigo ainda pequeno, trabalhou como jornalista na revista Elle em Paris e na BBC de Londres, além de se tornar professora na Sorbonne. Nesse período, ela consegue participar de um seleto grupo de estudantes cujo mestre era Roland Barthes, e termina sua tese de doutorado em Linguística e Semiologia sob a sua orientação. A tese resultou no livro "Recado do Nome", que trata da obra de Guimarães Rosa. Mesmo ocupada, Ana não parou de escrever as histórias infantis que vendia para a Editora Abril.

A volta ao Brasil veio no final de 1972, quando começou a trabalhar no Jornal do Brasil e na Rádio JB - ela foi chefe do setor de Radiojornalismo dessa rádio durante sete anos. Em 76, as histórias antes publicadas em revstas passaram a sair em livros. E Ana ganhou o prêmio João de Barro por ter escrito o livro "História Meio ao Contrário", em 1977. O sucesso foi imenso, gerando muitos livros e prêmios em seguida. Dois anos depois, ela abriu a Livraria Malasartes com a idéia de ser um espaço para as crianças poderem ler e encontrar bons livros.

O jornalismo foi abandonado no ano de 1980, para que a partir de então Ana pudesse se dedicar ao que mais gosta: escrever seus livros, tantos os voltados para adultos como os infantis. E assim foi feito, e com tamanho sucesso que em 1993 ela se tornou hors-concours dos prêmios da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Finalmente, a coroação. Em 2000, Ana ganhou o prêmio Hans Christian Andersen, considerado o prêmio Nobel da literatura infantil mundial. E em 2001, a Academia Brasileira de Letras lhe deu o maior prêmio literário nacional, o Machado de Assis, pelo conjunto da obra.

Em 2003, Ana Maria foi eleita para ocupar a cadeira número 1 da Academia Brasileira de Letras, substituindo o Dr. Evandro Lins e Silva. Pela primeira vez, um autor com uma obra significativa para o público infantil havia sido escolhido para a Academia. A posse aconteceu no dia 29 de agosto de 2003, quando Ana foi recebida pelo acadêmico Tarcísio Padilha e fez uma linda e afetuosa homenagem ao seu antecessor.